“Se não viu, não se culpe! Quando a gente faz o mal, sabe. O mal não é coisa de distraído. Embora a dor a gente possa provocar até dormindo.”
Carla Madeira.
Pronto. Benhaí Carla Madeira veio aqui em casa, abriu minha porta, segurou minha mão. Não resolveu, mas aliviou uma crise existencial que venho arrastando por anos.
A Natureza da Mordida me pegou tanto quanto Tudo é Rio, porém de outras formas. Tudo é Rio me arrebatou de 169 maneiras diferentes, enquanto A Natureza da Mordida me ganhou, acima de tudo, pelo encontro entre a sabedoria e o deleite literário. O livro é um banquete e a personagem Biá é a que mais serve delícias — de sobremesa, um “glossário de citações” servido no final do livro, verdadeiro manjar dos deuses. O cafezinho fica por conta da capacidade que autora tem para esconder assuntos bem debaixo de nossos olhos — e não é um café safado da padaria, meu bem! É um café gourmet! Grãos selecionados! Moídos na hora! É um espresso italiano! Um capuccino com chantilly! Ah, eu amo Carla Madeira. Leiam Carla Madeira como se suas vidas dependessem disso!
Fugi da crise e do assunto, mas já tô voltando.
A vida pode ter uma boca banguela — como diz Biá —, mas morde doído, sabe? Morde a nós, a quem nos cerca, a quem amamos. Morde a mim, a você, a todo e qualquer pronome do caso reto ou oblíquo. No entanto, não o faz sem cúmplices. Precisa de dentes emprestados.
Quando a vida decide fazer doer tem à disposição 8 bilhões de arcadas dentárias. Mais até, porque os mortos, eles também têm dentes.
Somos todos capazes de morder. Às vezes por iniciativa própria, mas, na maioria dos casos, para nos defender — ou é nisso que eu quero acreditar?
Pra mim, todo ser humano é bom até que se prove o contrário e a vantagem dessa crença é que, salvando a todos, encontro também a minha própria redenção.
Acredito mesmo que nascemos bons, um ou outro que destoa. Mas a exceção não me interessa. Pretendo apenas viver desviando delas.
Se a natureza da mordida é abocanhar a todos democraticamente, seu recrutamento de cúmplices também não é dado a critérios. O ser humano mais cândido pode facilmente se prestar a esse papel.
Nas vezes em que fui leviana ou causei sofrimento, eu não o fiz consciente, muito menos tive essa intenção. Emprestei os dentes na maior boa vontade. Achei que a vida fosse usar para se alimentar e seguir forte. Ela foi lá e mordeu. Cravou os caninos com violência. Usou os incisivos com maestria. Rasgou a carne. Mastigou. Cuspiu.
Fiquei sem entender a dor que inadvertidamente causei.
Será que merecemos o ódio que o mal uso de nossos dentes fez jorrar?
Na minha história eu posso garantir que sou a mocinha.
Procuro sempre tomar as decisões mais apropriadas. Considero as consequências dos meus atos antes de cometê-los. Prezo (DEMAIS até) pelo conforto de todo mundo. Tomo cuidado para não pisar no calo de ninguém — se piso, peço sinceras e sentidas desculpas tão logo perceba.
E mesmo com toda essa aura de Branca de Neve cantarolando com passarinhos, saltitando com esquilinhos, ensaiando passos de dança com veadinhos, do outro lado do espelho, na história dos outros, não tem arrego: eu sou a vilã. Bruxa feia que oferece — em regozijo! — a maçã envenenada.
Como boa sagitariana, me presto ao exaustivo exercício de mudar a perspectiva. Tento atravessar o espelho pra me olhar do outro lado.
Vivo num pingue pongue excruciante onde a cada momento estou de um lado da mesa. Testo na minha própria testa a pancada da bolinha que eu mesma cortei com violência. E, embora exaustivo, ficar correndo em volta dessa mesa de ping pong, botar a cabeça através do espelho e voltar repetidas vezes, são exercícios que eventualmente me proporcionam entendimentos, e mesmo a vilanização mais arbitrária ganha contornos nítidos.
Mais cedo ou mais tarde eu entendo as motivações alheias. E acabo, eu mesma, justificando a suposta vilania contra mim cometida. Um novo aprendizado tem sido justificar, sim, porém não mais aceitar.
Então você, que me tem como vilã de sua história, eu te entendo. De verdade. Você, ou melhor, vocês tiveram suas razões para acreditar na minha vilania — e eu tive, sim, responsabilidade por, de alguma forma, contribuir para isso (ainda que enquanto eu dormia). Teve também aquelas vezes em que mordi consciente, mas pra me defender de você. Se você enxergou requintes de crueldade, talvez isso fale mais sobre você do que sobre mim.
E se a personagem de Carla Madeira tem razão (e eu tendo a acreditar que sim), a maldade é direta, consciente e intencional. Todo o resto é dano colateral, fogo amigo, bala perdida, acidente de percurso. Uma falha de consideração, de comunicação, de planejamento. É dormir e fazer o outro passar a noite acordado com o nosso ronco enquanto desfrutamos do sono dos, se não justos, pelo menos inocentes.
Se você fez mal a alguém sem saber, você não fez mal, você causou sofrimento. Tem diferença.
Beleza. Entendi, Carla Madeusa. E, embora a vida em sociedade suscite muitos poréns nesse raciocínio, por hoje vou dormir de conchinha com esse sentimento de redenção.
A dentadura eu vou esconder pra ver se a vida não pega sem eu perceber.
E se eu roncar, já peço desculpas.
Não foi minha intenção.
Se você leu Carla Madeira, conversa comigo nos comentários? Preciso dar vazão a essa obsessão! Se não leu, tudo bem. Sempre é tempo. O bom das obras de arte é que elas são eternas.
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Vem me dar um abraço que dia 02/12 também é MEU ANIVERSÁRIOOOO!
Não me deixem só! Estou ficando velha e preciso de consolo, ok?
Em breve, mais informações sobre local e horário (provavelmente 16h! Já reservem!).
Hoje nasceu o filho de uma amiga querida. Ontem partiu o mais querido dos “amigos”.
Aprendi inglês com 6 professores geniais. O meu preferido, por quem tive “crush”, por quem mais torcia, aquele com quem mais me divertia e me identificava, foi ele o primeiro a ir pro andar de cima (e é até coerente porque, pra mim, ele sempre esteve em outro patamar).
Aprendi com ele palavras e expressões idiomáticas, mas também que o humor (sobretudo o desmedido) é um mecanismo de defesa.
Não sei quando tudo parou de ter graça pra ele. Não sei se parou — é cedo pra saber de fato o que aconteceu. De qualquer forma, sua vida não merecia um terceiro ato tão trágico.
Mas hoje nasceu um menino lindo que eu vou poder carregar no colo e daqui uns anos exigir dele respeito dizendo — com um senso de humor que Chandler jamais aprovaria — que o carreguei no colo.
Encontros e despedidas. Tem gente chegando. Tem gente partindo.
Tem gente brilhando.
Carla Madeusa entrou para o nosso altarzinho por ser a nossa musa inspiradora da Literatura, por nos proporcionar reflexões tão preciosas (sobretudo nas últimas semanas, lendo juntas "A natureza da mordida"), mas depois de ter te conduzido a escrever esse texto IM-PE-CA-VEL, minha amigdala, preciso dizer que ela merece lugar de destaque no nosso cantinho de adoração, viu? Reli agora e fiquei ainda mais impressionante do que anteontem. Duas palavras (Para & Béns) não serão suficientes para você dessa vez!
Digo, portanto, muito obrigada por ter escrito esse texto. Ele me abraçou enormemente (e de um jeito que eu nem sabia que estava precisando) e tenho certeza que abraçará muita gente. Sua escrita é necessária, amiga. Esse é um daqueles textos que PRECISAVA ter nascido e a gente ainda não sabia (sindicalizado).
Vou ter que parar de escrever agora porque a visão tá ficando turva. Esquisito, acho que caiu um cisco aqui... (continuo por áudio, no seu whatsapp). Beijo da galinha patética.