Sobre Março...
Não tem essa, gata. Se te dão um dia, é porque todos os outros não são teus. Se te dão um mês, é porque nos outros, te esquecem. Se te homenageiam, é porque te usurparam (e se tu bobear, farão novamente). Vale pra mulher, vale pro indígena, vale pro negro, vale pras minoria tudo.
É só um dia para as mulheres, mas, se me permitem um grama de otimismo, é um dia semente — que nem Marielle.
É um dia broto. Um dia muda. Muda de “mudinha de pRanta”, de mudança, de mudez não mais. Não é não e nunca mais.
Daí, dessa uma única unidade de dia a gente vai se esparramando pros demais. A gente vai incomodando o macho com as pernas arreganhadas no ônibus, confortável às custas do nosso desconforto. A gente vai questionando a florzinha que o chefe nos dá no lugar da equiparação salarial. A gente vai ocupando mais vagas nas universidades, escrevendo mais livros, protagonizando mais histórias, tendo destaque nas artes, ciências e também no poder público.
Quando nos dermos conta, teremos 365 dias, 6 horas, não sei quantos minutos e segundos, tempo exato que a Terra precisa para cada volta completa em torno do Sol.
E o que é a Terra se não eu, você, nós. Se não Gaia, a deusa mulher.
A mãe, a dona da vida — e, generosa que só, permitiu que tenhamos esse sopro, essa respiração.
Você tá usando esse fôlego direitinho, irmã? Tá usando pra quê, hein?
Tem que usar pra soprar o fogo, sabe? Alimentar a destruição do que não era nem pra tá aqui, meus lindo.
Agora, atente: Terra, que é mulher, gira incansavelmente em torno do Sol, que é homem. “E agora, Namárcia? Onde está o seu deus?”
E eu te respondo: primeiro que é DEUSA. Sempre foi. Mas a gente comprou essa ideia, né? De que deus, assim como o Sol, é macho. E que é em torno do macho que devemos construir nossas vidas.
Nos venderam baratinho esse brilho todo que nos aquece, é verdade, mas também nos cega. Acreditamos que nosso propósito de vida é orbitar sua força, seu calor, mesmo quando nos queimam.
Não me entendam mal. Não estou pregando jogar fora todo o conhecimento sobre o Sistema Solar. Não vou virar uma espécie de “terraplanista”, “terracentrista”, eu hein. Sou pró-Ciência e pró-vida (especialmente a vida das mulheres que não deveriam morrer no desespero de fazer um aborto). Viva a Ciência. Viva o SUS. Fora Bolsonaro. Aliás, dentro Bolsonaro, de Bangu IV, ou da Papuda, junto com os chifrudinho dele, perdão, me empolguei.
Outro dia, meu filho estava performando um diálogo entre Lula e Bolsonaro (ele imita os dois muito bem, pelo menos para os padrões de sua mãe). Morro de rir, mas quando ele se demorou no THE-MONHO meu brilho foi sumindo.
Eu fui ficando toda engatilhada, juro. Minha respiração mudou. Ao perceber o efeito em mim, ele voltou rápido pro Lula — verdadeira prova de amor. Mas, olha, foi bom ter esse mini quase surto, porque eu lembrei do que estamos livres (embora não completamente) e veio aquele ALÍVIO! Constatei mais uma vez aquilo que a Beta sempre diz (numa de suas mais brilhantes conclusões): alívio é melhor que amor.
Mas néra nada disso que eu queria falar não, guenta aí.
Houve um tempo em que a Terra era maior que o Sol. Um tempo em que a mulher era maior que o homem. Ou melhor: um tempo em que a mulher era RECONHECIDAMENTE maior que o homem. Porque ser, nós somos, sempre fomos, sempre seremos. E eu trago provas:
Eu sei que você sabe que eu vou dizer que a mulher é quem gera a vida e coisa e talz. Mas você já parou pra pensar direitinho no que é esse PODER?
“Ah, mas precisa do espermatozóide”. Sim, eu sei. De fato, é a chegada dessa participação especial masculina que deflagra o processo. No entanto, é importante lembrar que os menininhos nadadores NÃO SÃO A PRÓPRIA VIDA. (Querido macho, se eu matei teu Papai Noel, peço perdão, mas ele mereceu, era um escroto.)
Então, se a concepção fosse um jantar, o homem estaria encarregado de ir ao mercado comprar os ingredientes, no entanto, retornaria com apenas metade deles (típico). Enquanto isso, a mulher chora com as cebolas, se queima com a frigideira, atura o calor do forno o dia inteirinho e, claro, completa os itens que faltaram. Todos se banqueteiam e rendem cumprimentos ao chef — o homem pigarreia arrogantemente e responde: “Gostou? Fui eu que fiz! Nem foi difícil!”. AH NUM FODE.
Mas péra que também não era isso que eu queria falar.
Quer dizer, era, também.
Pensa que é pelo corpo da mulher que passa a alma novinha em folha (ou pelo menos “recauchutada” em folha, pra quem acredita em reencarnação, eu não sei de nada e desconfio de muito pouco). Pensa que é o corpo da mulher que nutre a vida desde antes dela tecnicamente existir no mundo. Pensa que é nossa energia que mantém as funções vitais pulsando num outro corpo dentro de nós — e também logo que ele sai.
O nascimento é a inauguração de uma obra de arte que a mulher pintou, esculpiu, poliu e IT’S ALIVE. Com alma e tudo.
O corpo feminino é templo, rapá, entenda e respeita. Não me venha com intolerância religiosa.
Só que um dia inventaram que não. Que mulher é menor. Que é bruxa. Que é pra servir. Que é fraca. Que é pra ser submissa. Que é pra ser “de valor”. Que tem que respeitar o CAMPARI do arrombado que se ofende se ela pede pra dividir uma cerveja. Ah, vai se fuder bem pra lá, this-grassça! Sai da minha timeline, eu te excomungo em nome das deusas pagãs!
Mas, enfim. Eu tava falando era o quê? Será que terminei?
Lembrei. Péra. Já vou acabar.
Então. A gente é Gaia. Terra. Mãe. Mesmo as que não tem, não querem, não podem, não terão filhos. Porque o corpo delas também veio com todos os poderes — poderes esses que vão muito além das funcionalidades do aparelho reprodutor.
E o poder é O PODER, mesmo que de forma latente. Colocando em termo de MACHO TOPSTER (caso algum cometa o despautério de ler uma mulher, pois eu DUVIDO), um Jeep Renegade não deixa de ter tração nas quatro se você decidir que só vai usar nas duas. Continuamos tendo o poder de superar qualquer terreno. Somos máquinas divinas, vocês não entenderiam nossa mecânica.
A gente é Gaia bailando pelo espaço sideral. Fazendo a dança insana da Letícia Spiler pelo infinito.
Mas o que eu queria dizer mesmo era isso: a gente não gira em torno do Sol.
Ele que ficou hipnotizado por nossa divindade e se pôs no meio, pra não perder um segundo sequer desse espetáculo.
Tão maravilhado, quanto transtornado, o Sol segue tentando capturar nosso movimento.
Mas você e eu e a Rita Lee e toda mulher que quer e merece ser amada (eu diria até louvada!), seguiremos bailando, rodopiando, deixando-os embasbacados!
Não permita que gravidade nenhuma te diminua, minha gata. Não se deixe ofuscar por solzinho nenhum.
E, olha… Se cuida, viu? Aliás, cuidem-se, umas das outras. Usa filtro solar, pra que não te queimem — porque eles vão tentar.
Não esquece que a Terra também tem fogo. Bem por dentro.
Quando Gaia sangra, a lava vira ilha, continente, terra fértil.
Um calor que purifica e faz nascer, de novo, a vida.
No mais, minha princesa, é fogo nos machistas.
Vamos continuar soprando.
Note as notas:
5 anos e não sabemos quem mandou o vizinho do Bolsonaro matar Marielle. Ou sabemos?
Zélia Duncan declamou a letra de uma música em comemoração à expulsão dos abusadores do BBB. Eu não conhecia a música, na minha santa ignorância. Zélia declamando foi mais forte, mas a música é um sambinha delícia também. Chama “Não é não”. Não sei linkar música. Tu que lute bem muito.
Não tenho vídeo do meu filho imitando o Lula, mas tenho esse vídeo que é ainda melhor (e infinitamente PIOR) e me faz rir SEMPRE. Vou botar o link já pedindo perdão.
Se quiser me mandar “1,5” (só os inteligentes entenderam), tá aqui o endereço: anamarciageo@gmail.com
É oficial: vou publicar um liiivroooooo!!!!!!
Esse texto tem tantas camadas. É tão necessário. E, sim, você vai publicar um livro! Isso deveria estar em caixa alta e em destaque nessa edição, porque esse livro é uma conquista enorme não só para quem o escreveu mas para todas nós, mulheres. Você atravessou vales sombrios para escrevê-lo, está atravessando outros para publicá-lo (sobretudo da sua própria mente) e ainda não imagina a revolução que vai fazer no cenário feminista. ♥️